segunda-feira, 21 de março de 2022

SOBRE A HUMILDADE


 


Hoje é dia de São Bento. Aproveitamos esta data para publicar o capítulo 7 da sua regra, que trata dos 12 graus de humildade. É de uma beleza única e esperamos que os leitores aproveitem a leitura.


“Irmãos, a Escritura divina nos clama dizendo: ‘Todo aquele que se exalta será humilhado e todo aquele que se humilha será exaltado’. Indica-nos com isso que toda elevação é um gênero da soberba, da qual o Profeta mostra precaver-se quando diz: ‘Senhor, o meu coração não se exaltou, nem foram altivos meus olhos; não andei nas grandezas, nem em maravilhas acima de mim. Mas, que seria de mim se não me tivesse feito humilde, se tivesse exaltado minha alma? Como aquele que é desmamado de sua mãe, assim retribuirias a minha alma’.

Se, portanto, irmãos, queremos atingir o cume da suma humildade e se queremos chegar rapidamente àquela exaltação celeste para a qual se sobe pela humildade da vida presente, deve ser erguida, pela ascensão de nossos atos, aquela escada que apareceu em sonho a Jacó, na qual lhe eram mostrados anjos que subiam e desciam. Essa descida e subida, sem dúvida, outra coisa não significa, para nós, senão que pela exaltação se desce e pela humildade se sobe. Essa escada ereta é a nossa vida no mundo, a qual é elevada ao céu pelo Senhor, se nosso coração se humilha. Quanto aos lados da escada, dizemos que são o nosso corpo e alma, e nesses lados a vocação divina inseriu, para serem galgados, os diversos graus da humildade e da disciplina.

Assim, o primeiro grau da humildade consiste em que, pondo sempre o monge diante dos olhos o temor de Deus, evite, absolutamente, qualquer esquecimento, e esteja, ao contrário, sempre lembrado de tudo o que Deus ordenou, revolva sempre, no espírito, não só que o inferno queima, por causa de seus pecados, os que desprezam a Deus, mas também que a vida eterna está preparada para os que temem a Deus; e, defendendo-se a todo tempo dos pecados e vícios, isto é, dos pecados do pensamento, da língua, das mãos, dos pés e da vontade própria, como também dos desejos da carne, considere-se o homem visto do céu, a todo momento, por Deus, e suas ações vistas em toda parte pelo olhar da divindade e anunciadas a todo instante pelos anjos. Mostra-nos isso o Profeta quando afirma estar Deus sempre presente aos nossos pensamentos: ‘Deus que perscruta os corações e os rins’. E também: ‘Deus conhece os pensamentos dos homens’. E ainda: ‘De longe percebestes os meus pensamentos’ e ‘o pensamento do homem vos será confessado’. Portanto, para que esteja vigilante quanto aos seus pensamentos maus, diga sempre, em seu coração, o irmão empenhado em seu próprio bem: ‘se me preservar da minha iniqüidade, serei, então, imaculado diante d’Ele’.

Assim, é-nos proibido fazer a própria vontade, visto que nos diz a Escritura: ‘Afasta-te das tuas próprias vontades’. E, também, porque rogamos a Deus na oração que se faça em nós a sua vontade. Aprendemos, pois, com razão, a não fazer a própria vontade, enquanto nos acautelamos com aquilo que diz a Escritura: ‘Há caminhos considerados retos pelos homens cujo fim mergulha até o fundo do inferno’, e enquanto, também, nos apavoramos com o que foi dito dos negligentes: ‘Corromperam-se e tornaram-se abomináveis nos seus prazeres’. Por isso, quando nos achamos diante dos desejos da carne, creiamos que Deus está sempre presente junto a nós, pois disse o Profeta ao Senhor: ‘Diante de vós está todo o meu desejo’.

Devemos, portanto, acautelar-nos contra o mau desejo, porque a morte foi colocada junto à porta do prazer. Sobre isso a Escritura preceitua dizendo: ‘Não andes atrás de tuas concupiscências’. Logo, se os olhos do Senhor ‘observam os bons e os maus’, e ‘o Senhor sempre olha do céu os filhos dos homens para ver se há algum inteligente ou que procura a Deus’ e se, pelos anjos que nos foram designados, todas as coisas que fazemos são, cotidianamente, dia e noite, anunciadas ao Senhor, devemos ter cuidado, irmãos, a toda hora, como diz o Profeta no salmo, para que não aconteça que Deus nos veja no momento em que caímos no mal, tornando-nos inúteis, e para que, vindo a poupar-nos nessa ocasião porque é Bom e espera sempre que nos tornemos melhores, não venha a dizer-nos no futuro: ‘Fizeste isto e calei-me’.

O segundo grau da humildade consiste em que, não amando a própria vontade, não se deleite o monge em realizar os seus desejos, mas imite nas ações aquela palavra do Senhor: ‘Não vim fazer a minha vontade, mas a d’Aquele que me enviou’. Do mesmo modo, diz a Escritura: ‘O prazer traz consigo a pena e a necessidade gera a coroa’.

O terceiro grau da humildade consiste em que, por amor de Deus, se submeta o monge, com inteira obediência ao superior, imitando o Senhor, de quem disse o Apóstolo: ‘Fez-se obediente até a morte’.

O quarto grau da humildade consiste em que, no exercício dessa mesma obediência abrace o monge a paciência, de ânimo sereno, nas coisas duras e adversas, ainda mesmo que se lhe tenham dirigido injúrias, e, suportando tudo, não se entregue nem se vá embora, pois diz a Escritura: ‘Aquele que perseverar até o fim será salvo’. E também: ‘Que se revigore o teu coração e suporta o Senhor’. E a fim de mostrar que o que é fiel deve suportar todas as coisas, mesmo as adversas, pelo Senhor, diz a Escritura, na pessoa dos que sofrem: ‘Por vós, somos entregues todos os dias à morte; somos considerados como ovelhas a serem sacrificadas’. Seguros na esperança da retribuição divina, prosseguem alegres dizendo: ‘Mas superamos tudo por causa daquele que nos amou’. Também, em outro lugar, diz a Escritura: ‘Ó Deus, provastes-nos, experimentastes-nos no fogo, como no fogo é provada a prata: induzistes-nos a cair no laço, impusestes tribulações sobre os nossos ombros’. E para mostrar que devemos estar submetidos a um superior, continua: ‘Impusestes homens sobre nossas cabeças’. Cumprindo, além disso, com paciência o preceito do Senhor nas adversidades e injúrias, se lhes batem numa face, oferecem a outra; a quem lhes toma a túnica cedem também o manto; obrigados a uma milha, andam duas; suportam, como Paulo Apóstolo, os falsos irmãos e abençoam aqueles que os amaldiçoam.

O quinto grau da humildade consiste em não esconder o monge ao seu Abade todos os maus pensamentos que lhe vêm ao coração, ou o que de mal tenha cometido ocultamente, mas em lho revelar humildemente, exortando-nos a este respeito a Escritura quando diz: ‘Revela ao Senhor o teu caminho e espera nele’. E quando diz ainda: ‘Confessai ao Senhor porque ele é bom, porque sua misericórdia é eterna’. Do mesmo modo o Profeta: ‘Dei a conhecer a Vós a minha falta e não escondi as minhas injustiças. Disse: acusar-me-ei de minhas injustiças diante do Senhor, e perdoastes a maldade de meu coração’.

O sexto grau da humildade consiste em que esteja o monge contente com o que há de mais vil e com a situação mais extrema e, em tudo que lhe seja ordenado fazer, se considere mau e indigno operário, dizendo-se a si mesmo com o Profeta: ‘Fui reduzido a nada e não o sabia; tornei-me como um animal diante de Vós, porém estou sempre convosco’.

O sétimo grau da humildade consiste em que o monge se diga inferior e mais vil que todos, não só com a boca, mas que também o creia no íntimo pulsar do coração, humilhando-se e dizendo com o Profeta: ‘Eu, porém, sou um verme e não um homem, a vergonha dos homens e a abjeção do povo: exaltei-me, mas, depois fui humilhado e confundido’. E ainda: ‘É bom para mim que me tenhais humilhado, para que aprenda os vossos mandamentos’.

O oitavo grau da humildade consiste em que só faça o monge o que lhe exortam a Regra comum do mosteiro e os exemplos de seus maiores.

O nono grau da humildade consiste em que o monge negue o falar a sua língua, entregando-se ao silêncio; nada diga, até que seja interrogado, pois mostra a Escritura que ‘no muito falar não se foge ao pecado’ e que ‘o homem que fala muito não se encaminhará bem sobre a terra’.

O décimo grau da humildade consiste em que não seja o monge fácil e pronto ao riso, porque está escrito: ‘O estulto eleva sua voz quando ri’.

O undécimo grau da humildade consiste em, quando falar, fazê-lo o monge suavemente e sem riso, humildemente e com gravidade, com poucas e razoáveis palavras e não em alta voz, conforme o que está escrito: ‘O sábio manifesta-se com poucas palavras’.

O duodécimo grau da humildade consiste em que não só no coração tenha o monge a humildade, mas a deixe transparecer sempre, no próprio corpo, aos que o vêem, isto é, que no ofício divino, no oratório, no mosteiro, na horta, quando em caminho, no campo ou onde quer que esteja, sentado, andando ou em pé, tenha sempre a cabeça inclinada, os olhos fixos no chão, considerando-se a cada momento culpado de seus pecados, tenha-se já como presente diante do tremendo juízo de Deus, dizendo-se a si mesmo, no coração, aquilo que aquele publicano do Evangelho disse, com os olhos pregados no chão: ‘Senhor, não sou digno, eu pecador, de levantar os olhos aos céus’. E ainda, com o Profeta: ‘Estou completamente curvado e humilhado’.

Tendo, por conseguinte, subido todos esses degraus da humildade, o monge atingirá logo, aquela caridade de Deus, que, quando perfeita, afasta o temor; por meio dela tudo o que observava antes não sem medo começará a realizar sem nenhum labor, como que naturalmente, pelo costume, não mais por temor do inferno, mas por amor de Cristo, pelo próprio costume bom e pela deleitação das virtudes.

Eis o que, no seu operário, já purificado dos vícios e pecados, se dignará o Senhor manifestar por meio do Espírito Santo”. (Grifos nossos).



Guardadas as devidas proporções, os leigos não só podem como devem aplicar estes conselhos em sua vida cotidiana.


Por fim, supliquemos todos os dias com Santa Terezinha: “Eu vos suplico, ó meu Deus, enviar-me uma humilhação cada vez que eu tentar me elevar acima dos outros”.



São Bento, rogai por nós!

Santa Terezinha, rogai por nós!

Santo Antônio de Pádua, rogai por nós!

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