Provérbios 1, 7, nos diz que “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria”. Mas o que vem a ser o temor do Senhor?
O próprio Senhor nos ensina no Salmo 33 (34), versículos de 12 a 15, através da pena de Davi:
Vinde, meus filhos, ouvi-me: eu vos ensinarei o temor do Senhor. Qual é o homem que ama a vida e deseja longos dias para gozar de felicidade? Guarda tua língua do mal, e teus lábios das palavras enganosas. Aparta-te do mal e faze o bem, busca a paz e vai ao seu encalço.
Santo Agostinho comenta-o maravilhosamente (Com. ao Salmo 33, S. II, 18 e 19):
18. Mas, se quer ter dias felizes, ouça o Senhor a ensinar e chamar: “Vinde, filhos, ouvi-me. Eu vos ensinarei o temor do Senhor”. Qual o teu desejo? Vida e dias felizes. Ouve, e pratica: “Preserva tua língua do mal”. Age desta maneira. Não quero, diz o infeliz. Não quero preservar a minha língua do mal, mas quero a vida, e dias felizes. Se te dissesse teu operário: Vou estragar esta vinha, e exijo de ti o pagamento. Trouxeste-me à vinha para limpá-la e podá-la. Vou cortar todas as árvores úteis, arrancar os próprios troncos das videiras, para não teres o que colher. Depois disto, deves pagar o meu serviço. Não o chamarias de louco? Não o mandarias embora, antes que pusesse a mão à foice? Tais são os homens que querem praticar o mal, jurar falso, blasfemar contra Deus, murmurar, defraudar, embriagar-se, entrar em litígios, cometer adultério, usar amuletos, sortilégios, e no entanto, ter dias felizes. Seja-lhe dito: não podes, praticando o mal, querer boa paga. Se és injusto, também Deus o será? Que farei então? O que queres? Quero a vida, e dias felizes. “Preserva tua língua do mal e os teus lábios das palavras enganosas”, isto é, nem fraude, nem mentira.
19. Mas, o que quer dizer: “Aparta-te do mal?” Não basta não prejudicar, não matar, não roubar, não cometer adultério, não ser fraudulento, não levantar falso testemunho. “Aparta-te do mal”. Tendo-te apartado, dizes: Estou seguro, cumpri tudo, terei a vida, e dias felizes. Não apenas: “Aparta-te do mal”, mas ainda: “faze o bem”. É pouco não despojar; veste o nu. Se não despojaste, tu te apartaste do mal; mas só farás o bem se receberes o peregrino em tua casa. Aparte-te, pois do mal, para fazeres o bem. “Procura a paz e segue-a”. Não te disse: Terás a paz aqui na terra; procura-a e segue-a. Aonde hei de segui-la? Onde ela te precedeu. Pois, o Senhor é nossa paz. Ele ressuscitou e subiu ao céu. “Procura a paz e segue-a”, porque também para ti, ao ressuscitares o que é mortal se transformará, e abraçarás a paz. Ninguém lá te será molesto. Existe perfeita paz onde não há fome. Pois, aqui o pão te dá paz; abstém-te de pão e verás que guerra haverá em tuas vísceras. Como gemem aqui os próprios justos, irmãos! Ficareis cientes de que na terra buscamos a paz, mas só a conseguiremos no fim. Tenhamo-la, contudo, em parte aqui, para merecermos possuí-la totalmente ali. Por que: em parte? Sejamos concordes aqui, amemos o próximo como a nós mesmos. Ama o irmão como a ti mesmo, tem paz com ele. Mas não é possível que não existam algumas rixas, como houve entre irmãos, entre santos, entre Barnabé e Paulo. Todavia, que não matem a concórdia, não extingam a caridade. Pois, até contra ti mesmo, resistes por vezes, e no entanto não te odiaste a ti mesmo. [...] Portanto, procurai a paz, irmãos. Diz o Senhor: “Eu vos disse tais coisas para terdes paz em mim” (Jo 16, 33). Não vos prometo a paz na terra. Nesta vida não há paz verdadeira, nem tranquilidade. Temos a promessa da alegria da imortalidade, e a companhia dos anjos. Mas se alguém não a procura aqui, não a terá quando ela vier.
Observação: “Qual é o homem que ama a vida e deseja longos dias para gozar de felicidade?” está se referindo à vida eterna, como está pressuposto em todo o dito.
Eis aí o temor do Senhor e a sabedoria. Mas quanto à paz, vejamos ainda as palavras do Bem-Aventurado Antônio (Sermões – 8ª da Páscoa):
Nota que a paz é tripla: Paz do tempo, da qual se diz no terceiro livro dos Reis [1Re 5, 4] que Salomão teve paz com os vizinhos; paz do peito, de que se escreve nos Salmos [Sl 4, 9]: Nele mesmo dormirei em paz e descansarei; e nos Atos dos Apóstolos [9, 31]; A Igreja tinha paz por toda a Judeia e Galileia e Samaria; e edificava-se, caminhando no temor do Senhor, e estava cheia da consolação do Espírito Santo. Judeia interpreta-se confissão [glosa], Galileia, transmigração [glosa]; Samaria, guarda [glosa]. A Igreja, portanto, ou seja, a alma fiel, tem paz na confissão e na transmigração dos vícios às virtudes, e na guarda do preceito divino e da graça recebida. E desta forma se edifica, caminhando de virtude em virtude no temor do Senhor, temor não servil, mas filial, e se enche da consolação do Espírito Santo no meio de todas as suas tribulações. A terceira paz é a da eternidade. Dela se escreve: Ele estabeleceu a paz nas tuas fronteiras [Sl 147, 14].
Deves possuir a primeira paz com o próximo; a segunda, contigo mesmo; e assim terás, na oitava da Ressurreição, a terceira, com Deus no céu. (Entre colchetes são acréscimos nossos).
Santos Doutores Antônio e Agostinho, rogai por nós!
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