domingo, 26 de junho de 2022

A INDISSOLUBILIDADE DO MATRIMÔNIO SEGUNDO A ESCRITURA SAGRADA

 


Inicialmente é importante definir-se o que é o matrimônio, depois explicar o porquê do nome matrimônio e, por fim, dar as razões de sua indissolubilidade.


1. Pois bem, “O Matrimônio é o Sacramento que une indissoluvelmente o homem e a mulher, como são unidos Jesus cristo e a Igreja Sua esposa, e dá-lhes a Graça de santamente conviver e educar cristãmente os filhos”. (Catecismo da Doutrina Cristã, de São Pio X, n. 406).


2. “Chama-se ‘Matrimônio’, porque o fim principal que a mulher deve propor-se, quando casa, é tornar-se mãe”. Chama-se também “conjúgio”, donde “cônjuge”, porque a esposa e o marido ficam ligados um ao outro por um jugo comum. (Catecismo Romano, Segunda Parte, Capítulo VIII, I).


3. A indissolubilidade do matrimônio não é invenção da Igreja, mas sim doutrina sagrada presente clara e positivamente nas Escrituras. Vejamos, pois, partindo-se dos textos mais claros para os mais obscuros, as razões bíblicas da indissolubilidade do matrimônio.


a. São Marcos (10, 2-12):

Aproximando-se os fariseus, perguntavam-lhe para o tentarem: “É lícito ao marido repudiar sua mulher?” Ele respondeu-lhes: “Que vos mandou Moisés?” Eles responderam: “Moisés permitiu escrever libelo de divórcio, e separar-se dela (Dt. 24, 1)”. Jesus disse-lhes: “Por causa da dureza de vosso coração é que ele vos deu essa lei. Porém, no princípio da criação, Deus fê-los homem e mulher. Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe, e se juntará a sua mulher; e os dois serão uma só carne (Gen. 2, 24). Assim não mais serão dois, mas uma só carne. Portanto não separe o homem o que Deus juntou”. Em casa os seus discípulos interrogaram-no novamente sobre o mesmo assunto. Ele disse-lhes: “Qualquer que repudiar sua mulher e se casar com outra, comete adultério contra a primeira; e se a mulher repudiar seu marido e se casar com outro, comete adultério”.

O Evangelho de S. Marcos é claríssimo e afirma a universalidade da indissolubilidade do matrimônio. Não comporta exceções.


b. São Lucas (16, 18):

Jesus disse-lhes [aos fariseus] (...) Todo o que repudia sua mulher, e toma outra, comete adultério; e o que casa com a que foi repudiada por seu marido, comete adultério.

Novamente o Evangelho é claríssimo. Nosso Senhor condena o divórcio.


c. São Mateus (19, 3-12):

Foram ter com ele os fariseus para o tentar, e disseram-lhe: “É licito a um homem repudiar sua mulher por qualquer motivo?” Ele respondeu-lhes: “Não lestes que no principio, o Criador fez o homem e a mulher, e disse: Por isso deixará o homem pai e mãe, e juntar-se-á com sua mulher, e os dois serão uma só carne (Gen. 2, 24). Por isso não mais são dois, mas uma só carne. Portanto não separe o homem o que Deus juntou”. “Porque mandou, pois, Moisés, replicaram eles, dar (o homem, a sua mulher) libelo de repúdio, e separar-se (dela)?” Respondeu-lhes: “Porque Moisés, por causa da dureza do vosso coração, permitiu-vos repudiar vossas mulheres; mas no principio não foi assim. Eu, pois, digo-vos que todo aquele que repudiar sua mulher, a não ser por causa de fornicação, e casar com outra, comete adultério; e o que se casar com uma repudiada, comete adultério”. Disseram-lhe os discípulos: Se tal é a condição do homem a respeito de sua mulher, não convém casar. Ele respondeu-lhes: “Nem todos compreendem esta palavra, mas somente aqueles a quem foi concedido. Porque há eunucos que nasceram assim do ventre de sua mãe; há eunucos a quem os homens fizeram tais; e há eunucos que a si mesmos se fizeram eunucos por amor do reino dos céus. Quem pode compreender isto, compreenda”.

O Evangelho de São Mateus também é claro, porém merece uma análise detida, pois em virtude dele muitos propagam erros acerca da indissolubilidade do matrimônio[1].

Para a compreensão perfeita desta passagem, é preciso entender duas coisas: primeiro, o divórcio permitido por Moisés; segundo, a separação de corpos permitida por Nosso Senhor Jesus Cristo no versículo 9 (a não ser por causa de fornicaçãonisi fornicationis causa).

Pois bem, acerca do primeiro, diz o Deuteronômio (24, 1-4):

Se um homem, tomando uma mulher, se casar com ela, e não a achar agradável diante dos seus olhos por qualquer coisa inconveniente, escreverá um libelo de repúdio, lho dará na mão, e a despedirá da sua casa. Se ela, depois de ter saído, tomar outro marido, e este também a aborrecer, e, dando-lhe libelo de repúdio, a despedir de sua casa, ou se ele veio a morrer, não poderá o primeiro marido torná-la a tomar por mulher, dado que ela está contaminada, porque isso é abominável diante do Senhor; não faças pecar a terra cuja posse te der o Senhor teu Deus.

Moisés, ao legislar, encontrou o divórcio preexistente e, para evitar abusos maiores de ódios homicidas, o regulamentou. Diz o Pe. Matos Soares, comentando esta passagem, que “Não podendo Moisés abolir por completo o divórcio, por causa da dureza do coração dos Israelitas, procurou limitá-lo, permitindo-o só em casos determinados e observadas certas condições”.

Estes casos determinados, porém, eram motivos de discussão entre os judeus, pois Moisés dá como razão para o libelo de repúdio o não a [a mulher] achar agradável diante dos seus olhos por qualquer coisa inconveniente. De um lado, a escola rabínica Schammaï restringia o motivo do libelo ao caso de adultério. Doutro lado, a escola de Hillel ampliava a possibilidade do divórcio para toda e qualquer coisa. Neste sentido, dê-se, in extenso, a palavra ao Pe. Leonel Franca[2]:

Na Mischna, (parte do Talmude, que encerra as leis tradicionais das escolas farisaicas), no tratado sobre o divórcio Gittin IX, 10, lê-se que rabbi Hillel permitira o repúdio por um prato mal preparado; rabbi Akiba, quando o marido encontrava uma mulher mais bela que a sua. JOSEFO FLÁVIO, Ant. Jud. IV, VIII, 23 admite-o por qualquer causa, καθ᾽ ἂς δηποτοῦν αἰτίας (é a mesma expressão que encontramos nos lábios dos fariseus do Evangelho), e acrescenta ingenuamente: causas de divórcio, os homens as encontram à vontade. Ele próprio despedira sua mulher, mãe de 3 filhos, só porque tinha modos que lhe não agradavam. Vit. 76.

De qualquer modo, Moisés apenas tolerou o divórcio – tratava-se de um regime temporário -, pois bem sabia ele que no princípio não era assim: “...não é bom que o homem esteja só; façamos-lhe um adjutório semelhante a ele” (Gn. 2, 18); “...por isso deixará o homem seu pai e a sua mãe, e se unirá a sua mulher, e os dois serão uma só carne” (Gn. 2, 24).

Acerca do segundo, Nosso Senhor permitiu unicamente a separação de corpos, quando disse: “Eu, pois, digo-vos que todo aquele que repudiar sua mulher, a não ser por causa de fornicação” (S. Mt. 19, 9). Isso Ele já havia dito no Sermão da Montanha (S. Mt. 5, 32): “Eu, porém, digo-vos: todo aquele que repudiar sua mulher, a não ser por causa de fornicação, expõe-na ao adultério”.

Em caso de fornicação, portanto, pode haver a separação de corpos, mas não o rompimento do vínculo matrimonial. Isto porque Nosso Senhor diz logo abaixo que “o que se casar com uma repudiada, comete adultério” (S. Mt. 19, 9); “e o que desposar a (mulher) repudiada, comete adultério” (S. Mt. 5, 32).

Ora, se o libelo de repúdio no caso de fornicação rompesse o vínculo matrimonial, o segundo casamento seria permitido. Mas Nosso Senhor não o permite, obviamente porque a repudiada permanece vinculada ao marido. Daí a surpresa dos discípulos, que dizem: “Se tal é a condição do homem a respeito de sua mulher, não convém casar” (S. Mt. 19, 10).

Portanto, a única exegese aceitável do texto de S. Mateus é esta[3]: “O marido que repudiar a sua mulher sem causa, peca, é responsável moralmente pelas faltas que ela poderá vir a cometer: facit eam moechari; no caso, porém, de adultério, é lícita a separação; o marido não deverá responder pelos desmandos de quem já havia quebrado a fidelidade conjugal. Num e noutro caso, o vínculo perdura; os esposos não readquirem a sua liberdade; o homem, se casar com outra, comete adultério e o que se casar com a repudiada também adultera”.


d. São Paulo aos Coríntios (I Cor. 7, 10-11):

Quanto àqueles que estão unidos em matrimô­nio, mando, não eu, mas o Senhor, que a mulher se não separe do marido; e, se ela se separar, fique sem casar, ou reconcilie-se com seu marido. E o marido igualmente não repudie sua mulher.

Deste texto de S. Paulo, é possível verificar três coisas:

I) O preceito que ele dá não é seu, mas do Senhor (e de fato concorda perfeitamente com o que vimos nos Evangelhos);

II) A regra geral é a não separação: “a mulher se não separe do marido; [...] o marido igualmente não repudie sua mulher”;

III) Havendo separação (de corpos), que é a exceção, duas são as alternativas:

· a continência: “fique sem casar”.

· a reconciliação: “reconcilie-se com seu marido”.

Em nenhum momento S. Paulo permite novo casamento, razão por que se entende que o vínculo matrimonial, mesmo que separados os corpos, persiste até a morte, o que, aliás, ele diz claramente na Epístola aos Romanos (7, 2-3):

Assim a mulher está ligada pela lei ao marido, enquanto ele vive; mas ao morrer seu marido, fica livre da lei do marido. Por isso, vivendo o marido, será chamada adúltera, se estiver com outro homem; mas se morrer seu marido, fica livre desta lei, de maneira que não é adúltera, se se tornar mulher de outro homem.

Conclui-se, portanto, que o vínculo matrimonial não se rompe senão com a morte, pois a união dos esposos faz com que eles sejam “uma só carne” (S. Mt. 19, 6), e esta união é tão indissolúvel como o vínculo da paternidade ou da maternidade, indestrutivelmente constituído pela identidade do sangue. “Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe e se unirá a sua mulher; e serão dois numa só carne. Grande mistério é este”. (Ef. 5, 31-32).







P. S. 1: Como diz o Pe. Júlio Maria de Lombaerde, “a doutrina católica não teme a luz da ciência e do bom-senso, e nem os raciocínios dos filósofos; ela teme apenas a ignorância e o vício”.

P. S. 2: Para os que quiserem aprofundar no estudo do tema, indico-lhes as seguintes obras: i. O Divórcio, Pe. Leonel Franca; ii. O Anjo das Trevas, Pe. Júlio Maria de Lombaerde (Quarto anjo: o divorcismo); iii. Catecismo Romano (Catecismo do Concílio de Trento), Segunda Parte, Capítulo VIII; iv. Catecismos Maior e Menor de São Pio X, nos capítulos que tratam do matrimônio.





Escrito por Willian Mitre.





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[1] É regra geral de hermenêutica que os textos mais obscuros devem ser interpretados pelos mais claros. Como diz o Pe. Álvaro Calderón: “Ninguém com boa intenção explica o obscuro com o que é mais obscuro” (Umbrales de la Filosofía, p. 143).

[2] O Divórcio, Pe. Leonel Franca, p. 265.

[3] Op. cit, p. 268.

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