Segundo a Teologia [1]
Não querendo admitir o culto de Maria Santíssima, os protestantes rejeitam naturalmente cada uma das prerrogativas de que Deus adornou a alma da Mãe de Jesus.
Admitir qualquer prerrogativa, qualquer dom especial, seria distingui-la das demais criaturas, e exalta-la acima das outras dignidades; e isso não podem aceitar, pois toda exaltação em uma criatura supõe um direito, e todo direito exige um dever em outra criatura.
Direito e dever são correlativos e um não existe sem o outro.
Não querendo aceitar nenhum dever para com a Mãe de Jesus, os protestantes não admitem nenhum direito da parte d’ela.
A conclusão é lógica, embora o princípio seja de uma falsidade tangível.
A Igreja Católica, baseada sobre a Bíblia, sobre a razão e sobre a tradição apostólica transmitida através dos séculos, como crença universal, declarou que a Mãe de Jesus foi concebida isenta do pecado original, preservada da mancha deste pecado pelos méritos antecipados do Salvador.
Tal verdade, gloriosa para a Mãe de Jesus e base de suas grandezas, não pode agrada aos amigos protestantes, aos quais repugna sumamente o culto de Maria Santíssima.
Examinemos as razões contrárias citadas por eles, assim como as provas em favor, aduzidas pela Igreja Católica.
I. As objeções protestantes
Quais são as grandes objeções dos protestantes contra a Imaculada Conceição de Maria Santíssima?
A primeira (negativa) é: “a Imaculada Conceição não figura na Bíblia”.
A segunda (positiva) é de S. Paulo que disse: todos os homens pecaram num só (Rm V, 12).
Examinemos o valor destas duas objeções.
Diz o articulista que tal dogma não figura na Bíblia.
Mostrarei mais adiante como é falsa e que ele ali figura em diversos lugares, não pelo nome, mas pela verdade. Pouco importa que ali não se encontre o nome. O nome de uma coisa é feito para manifestar a existência desta coisa; e antes de ter um nome, a coisa já deve existir.
O nome pouco importa e pode ser mudado.
A palavra syphilis é de recente adoção, e hoje os médicos veem syphilis em toda parte, embora não haja mais do que em tempos passados. É o que outrora se chamava “impureza de sangue”. Na Bíblia não figuram as moléstias: ophtalmia, chlorose, lumbago, meningite, coriza, epistaxis, etc., etc., embora as moléstias existissem nesse tempo como hoje; a diferença é que outrora chamavam-se tais moléstias: dor de olhos, fraqueza, dor nos rins, febre cerebral, resfriamento, sangria de nariz, etc.
Apoiando-se sobre tal princípio os protestantes pronunciam a sua própria sentença de morte, pois nem o nome de sua seita figura na Bíblia.
Onde encontrar, por exemplo, Luteranos, Calvinistas, Anglicanos, Metodistas, Anabatistas, Batistas, Huguenotes, Hussitas, Quakers, Adventistas? Etc. Parando aqui para não repassar as 880 seitas protestantes[2], com pretensão de cada uma ser representante da Bíblia e da verdade autêntica.
Tudo está na Bíblia, dizem, e nem elas ali figuram.
A conclusão é que eles mesmos são obrigados a confessar que há coisas reais que não figuram na Bíblia.
Não admitindo isso, são obrigados a admitir que eles mesmos não são uma coisa real, mas simplesmente imaginária.
Quem sabe se não teriam razão?...
Em todo caso o argumento negativo perde todo o seu valor e nada prova.
Quanto ao argumento positivo, vejamos de perto.
S. Paulo diz que todos os homens pecaram num só (Rm V, 12).
Estamos de pleno acordo: É o pecado original.
Note bem o amigo protestante que é um pecado de transmissão. É um só quem pecou: Adão; e este pecado transmitiu-se a todos.
Mas, pecar e receber a transmissão do pecado são duas coisas distintas.
Maria Santíssima pecou em Adão.
Mas o pecado de Adão, que devia ser-lhe transmitido, segundo a lei, não o foi, por preservação divina.
Maria Santíssima é do sangue de Adão e Eva: como tal pecou em Adão, mas como tal pecado em Adão é transmitido pelo sangue, é perfeitamente possível a Deus impedir esta transmissão.
Tal preservação é feita em virtude da antecipação dos merecimentos do Salvador.
Deste modo, Maria é a primeira resgatada e o mais sublime troféu de vitória do Redentor.
É o milagre que Deus fez.
O sangue pecaminoso de Adão e Eva devia chegar até Maria Santíssima, mas antes de participar de seu ser, neste momento quase imperceptível, em que a alma criada por Deus devia unir-se ao sangue formado pelos progenitores, para formar a pessoa de Maria Santíssima, Deus retirou o pecado e a Virgem nasceu do sangue regenerado, purificado de Adão e Eva, sendo ela, Maria, preservada de todo contato do pecado.
Tal é o privilégio da Imaculada Conceição.
Bem vê o meu caro protestante que a lei geral, traçada por S. Paulo, não foi violada de modo nenhum, mas basta saber interpretá-la.
Podemos, pois, repetir com o Apóstolo: Todos pecaram em Adão. Mas: todos não receberam o sangue pecaminoso de Adão.
Jesus Cristo não podia recebê-lo, por ser Deus.
Maria Santíssima não podia recebê-lo, por ser Mãe de Deus.
O Cristo foi isento do pecado original por natureza.
Maria Santíssima o foi por preservação; São João Batista o foi por purificação.
Eis como cai o argumento positivo contra a Imaculada Conceição.
Destes dois argumentos, nenhum pode sustentar-se sem cair na mais flagrante contradição.
Logo, os dois argumentos protestantes, contra a Imaculada Conceição, são de nenhum valor, e nada provam contra a doutrina ensinada pela Igreja Católica.
II. O que é o pecado original
Para a nítida compreensão da Imaculada Conceição, é preciso ter uma noção exata do pecado original.
Tendo uma noção errada do mal, errada deve ser também a noção da reparação como a da prevenção deste mal.
É a infelicidade de nossos contraditores protestantes, que se apegam ao texto da Bíblia, limitando-se às palavras, sem penetrar no âmago das verdades que as palavras significam.
O pecado original é o pecado cometido por Adão e Eva, desobedecendo a Deus.
Este pecado, em Adão, era atual, e o afastou de Deus como fim sobrenatural.
Em nós, é um pecado de raça. O gênero humano forma um corpo único, cuja cabeça natural e moral é Adão, de modo que a cabeça pecando, todos os membros participam deste pecado.
Quando Deus criou nossos primeiros pais, estabeleceu-os no estado de inocência, de justiça original e de santidade, outorgando-lhes dons de três qualidades: naturais, sobrenaturais e preternaturais.
Os dons naturais são as propriedades do corpo e da alma, exigidas por sua natureza de homem, para alcançar o seu fim natural.
Os dons sobrenaturais são: a graça santificante que fez deles filhos adotivos de Deus e a predestinação à visão beatífica.
Os dons preternaturais consistem na imunidade do sofrimento, da morte, da concupiscência e da ignorância.
Assim cumulados de toda sorte de benefícios, sem direito algum a tais bens, Adão e Eva desobedeceram a Deus, cometeram um pecado mortal, comendo do fruto da árvore do bem e do mal (Gn II, 17).
O pecado, como diz S. Paulo, entrou no mundo por um homem só (Rm V, 12).
As consequências deste pecado foram desastrosas.
Logo, Adão e Eva perderam todos os dons que excediam as exigências da natureza humana.
Como vimos acima, tinham eles recebido três espécies de dons: perderam logo os dons sobrenaturais e preternaturais, conservando apenas, e ainda muito enfraquecidos, os dons naturais, próprios de sua condição de criaturas racionais.
Privados dos dons gratuitos, diz S. Beda, o Venerável, Adão, pecador, foi vulnerado na sua própria natureza.
Gratuitis spoliatus, vulneratus in naturalibus.
Como disse supra, o pecado de Adão foi um pecado pessoal nele, mas também um pecado de raça, ou de natureza, enquanto ele era a cabeça da humanidade, de modo que, todos aqueles que partilham esta natureza, ou pertencem à raça humana, deviam partilhar deste pecado, causando na humanidade inteira: a perda dos dons sobrenaturais e preternaturais e o enfraquecimento dos dons naturais.
Os dons sobrenaturais foram recuperados pela Encarnação e Redenção do Salvador, que exigem a nossa cooperação; mas ficamos privados dos dons preternaturais, que constituem o efeito permanente da queda de nossos primeiros pais.
O homem fica sujeito ao sofrimento, à morte, à concupiscência e à ignorância.
Contra o sofrimento e a morte não há outro remédio senão a conformidade à vontade divina; contra a concupiscência e a ignorância há a luta para dominá-las e libertar-se de seu jugo.
Quanto aos dons naturais, não foram retirados, em sua constituição intrínseca, mas em seu exercício, em seu uso, porque as paixões desnorteiam o juízo e enfraquecem a vontade.
Tal é o pecado original em sua fonte e em suas consequências; compreendidas estas verdades, ser-nos-á fácil compreender as exceções a esta lei geral.
III. A conceição de Maria Santíssima
O erro fundamental dos protestantes é a ideia que nós atribuímos a Maria Santíssima uma conceição divina, como não tendo ela nascido como as demais criaturas.
É um erro, atribuindo à doutrina católica o que ela não ensina. A Igreja não ensina isso.
A conceição de Maria Santíssima é humana, completamente humana, e não tem nada de divino. Ela foi concebida pelas vias ordinárias da natureza; só a conceição de Jesus Cristo é divina, operada pela virtude do Espírito Santo, sem a participação do homem.
Maria Santíssima teve pai e mãe: São Joaquim e Sant’Anna. Nada houve de extraordinário, nem de milagroso no ato de sua conceição, nem em seu nascimento: Ela é filha da raça humana... participando do sangue desta raça, e como tal, apesar de não ter o pecado original, como explicarei sem seguida, ela pecou em Adão, conforme a lei geral já citada de S. Paulo: Todos os homens pecaram num só (Rm V, 12).
Até aqui tudo é natural; aqui se apresenta o sobrenatural: o milagre.
Se a conceição de Maria Santíssima não é divina, ela é entretanto milagrosa no fato.
É o próprio Evangelho que atesta o milagre.
Como prova do milagre que ia operar-se em Maria Santíssima, o Arcanjo cita um milagre já operado em Santa Isabel: Eis que também Isabel, tua parente, concebeu um filho na sua velhice. (Lc I, 36).
E não somente concebeu em sua velhice, o que já é um milagre, mas concebeu, sendo estéril, o que constitui um segundo milagre: Não tinham filhos, porque Isabel era estéril e ambos se achavam em idade avançada (Lc I, 7).
Sant’Anna concebeu, apesar de sua esterilidade e de sua velhice, e depois de ter concebido a mais santa das crianças, recaiu em sua esterilidade.
A conceição de Maria é pois milagrosa, no fato, mas não divina.
Se fosse divina, Maria Santíssima não precisaria de redenção; sendo humana, embora milagrosa, ela precisava ser resgatada, como qualquer outro descendente de Adão.
A redenção supõe uma queda, pelo menos em Adão.
Para ser resgatado, é preciso ser, de qualquer modo, escravo do pecado.
Maria Santíssima não foi escrava do pecado como pessoa, mas o foi como pertencente à raça humana.
Jesus Cristo é Salvador do gênero humano inteiro, conforme a doutrina tão acentuada por S. Paulo; e nada autoriza uma exceção, nem em favor da Mãe de Jesus.
Uma tal exceção seria inútil à sua glória; pois não somente a Virgem Mãe não fica diminuída nem humilhada, por ser devedora de sua glória aos méritos do Salvador, mas mais exaltada, como fica mais exaltado o próprio Redentor, em contar a sua própria Mãe como primeiro troféu de sua morte.
Para provar esta redenção, Suarez usa do seguinte argumento:
S. Paulo diz que: se um só morreu para todos é porque todos estavam mortos (II Cor V, 14). Ora, Jesus Cristo morreu também para Maria. Logo, ela estava morta em Adão.
Entende-se como morta em Adão, o fato de Maria, em virtude de sua conceição, estar sujeita ao pecado original, por direito, que teria contratado sem uma intervenção divina, porém não foi sujeita ao pecado, de fato, porque uma graça singular do Redentor a preservou, afastando dela a dura necessidade da mancha original.
IV. A preservação de Maria
A redenção é dupla: libertadora e preservativa.
A redenção libertadora repara as ruinas feitas pelo pecado, restituindo ao homem o que lhe tirou o pecado, fazendo-o passar do estado de pecado ao estado de graça.
É a redenção comum a todos os homens.
A redenção preservativa consiste, não em reparar as ruinas, mas em impedir tais ruinas. Ela não levanta a natureza decaída, mas a impede de cair. Ela não purificou a Mãe de Jesus, mas a impediu que contraísse a mancha original.
Em síntese, devemos dizer que: Jesus Cristo, morrendo na cruz e salvando o gênero humano, salvou, pois, também a Virgem Santíssima, como fazendo parte da humanidade.
A qualidade de Redentor convém pois perfeitamente a Jesus Cristo, a respeito de sua própria Mãe.
É deste modo que Maria participou dos méritos de seu divino Filho, não como nós, mas de modo que lhe é todo peculiar, preservando-a de uma mancha que devia contratar e não contratou.
São Francisco de Sales exprime esta verdade de um modo tão singelo, quão gracioso! “A torrente da iniquidade original[3] veio lançar as suas ondas impuras sobre a conceição da Virgem Sagrada, com a mesma impetuosidade que sobre a conceição dos outros filhos de Adão; mas chegando ali, elas não passaram além, mas pararam, como outrora o Jordão no tempo de Josué.
“A torrente parou as suas águas, por respeito à arca da aliança, e o pecado original retirou as suas ondas, por respeito ao Tabernáculo da verdadeira aliança, que é a Virgem Maria”.
Não posso deixar de citar uma passagem do ilustre Bossuet que tão admiravelmente fala dos grandes mistérios, e sobretudo da Imaculada Conceição.
Esta conceição, diz ele, tem isso de comum com todos os fiéis, que Jesus lhe dá o seu sangue; mas ela tem isso de particular, que primeiramente recebeu de Maria este sangue.
Ela tem de comum conosco, que este sangue cai sobre ela, para santifica-la; mas tem isso de particular, que Maria é a sua fonte.
De tal modo que podemos dizer que a conceição de Maria é como a primeira origem do sangue de Jesus.
É daí que esta bela torrente começa a espalhar estas ondas de graças que circulam em nossas veias pelos Sacramentos, e que levam o espírito de vida a todo o corpo da Igreja.
Não procure pois o nome de Maria na sentença de morte, que foi pronunciada contra todos os homens.
Não está mais ali! Foi apagada!
E como?
Por este sangue que tendo sido haurido em seu casto seio, deve empregar em seu favor tudo o que contém de força, contra esta lei funesta que nos mata desde a origem[4].
V. A transmissão do pecado
Diante desta doutrina católica, certa e clara, as objeções protestantes se dissipam como as trevas diante do sol matinal.
O seu grande argumento é querer opor ao dogma da Imaculada Conceição o texto de São Paulo: todos os homens pecaram num só.
Tal lei é certa, e como acabo de prová-lo, não acha a mínima contradição no fato da Imaculada Conceição.
Os amigos protestantes devem compreender a diferença essencial entre pecar em Adão e pecar pessoalmente, como entre pertencer a uma raça pecadora e ser pecador.
E basta esta distinção para compreendermos a possibilidade da Conceição Imaculada.
Resta-nos a elucidar ainda um ponto que vai mostrar o como a Virgem Santíssima foi preservada deste pecado.
Como é que nós contratamos o pecado original?
Tal transmissão não se pode fazer pela Criação da alma, senão Deus seria o autor do pecado, o que é impossível.
Não se transmite tampouco pelos pais, pois a alma dos filhos não tira a origem da alma dos pais, mas é criada por Deus.
Ela se faz pela geração.
A alma é criada por Deus na inocência perfeita, mas contrai a mácula unindo-se a um corpo formado de um gérmen corrompido, do mesmo modo que a alma sofreria se fosse unida a um corpo ferido.
É a opinião de Santo Tomás.
Santo Agostinho diz a propósito: “Os filhos, nascidos de pais batizados, nascem entretanto com o pecado original, como do trigo imunizado nasce uma espiga na qual o grão é misturado com a palha”.
Para compreender bem esta doutrina, é preciso distinguir, como o fazem São Boaventura e o Papa Bento XV, uma dupla conceição:
A ativa, que não é outra coisa senão a procriação do corpo.
A passiva, que se realiza quando Deus une uma alma ao corpo que acaba de ser gerado.
A conceição ativa de Maria em nada difere da conceição das outras crianças, pois ela foi gerada por S. Joaquim e Sant’Anna, segundo as lei da natureza.
A conceição passiva, ao contrário, é completamente diferente.
A nossa alma, no momento de unir-se ao corpo que ela deve vivificar, desde que entra em contato com este corpo, para formar uma pessoa humana, é contaminada pelo pecado original.
O pecado não reside na alma, nem no corpo, mas sim na união substancial da alma e do corpo, para constituir o homem.
É o homem que é contaminado pelo pecado – o homem como tal, de modo que, na morte, a alma separando-se do corpo, readquiriria por assim dizer os privilégios de inocência e justiça original, se apesar de separada, não conservasse a aptidão e a disposição de um dia ser reunida de novo a este corpo, de modo que, mesmo separada do corpo, a alma fica sempre alma humana.
Foi neste momento quase imperceptível que Deus preservou a pessoa de Maria Santíssima do pecado original.
Criou a sua alma como cria as nossas almas.
Os pais de Maria Santíssima formaram-lhe o corpo, como os nossos pais formaram o nosso. Até aqui tudo é natural; o milagre da preservação limita-se ao instante em que Ele uniu a alma ao corpo.
Desta união devia resultar a transmissão do pecado. Deus fez parar o curso desta transmissão; de modo que a união se fez, como se tinha feito na pessoa de Adão, quando Deus, depois de ter feito o seu corpo soprou nele o espírito, formando um homem na perfeição da inocência e da justiça original.
Maria é uma segunda Eva... mas Eva antes de sua queda.
Tal é a sublime doutrina da Igreja.
VI. A exceção a esta lei
Será possível objetar que Deus não pode derrogar as leis gerais, constituídas por ele mesmo?
Seria negar a onipotência divina, fixar limites Àquele que não tem limites.
É uma lei geral que todos pecaram num só. Tal lei, de fato, é universal, e não comporta nenhuma exceção entre as criaturas.
É outra lei geral que o pecado transmite-se a todos os filhos de Adão.
Esta segunda lei, no entanto, é menos rigorosa que a primeira, pela simples razão que o primeiro fato é antecedente, enquanto o segundo é consequente.
O pecado original foi cometido no princípio do mundo, na origem da raça humana; enquanto a transmissão não foi feita, mas apenas decretada, no princípio; e efetua-se na ocasião da união da alma com o corpo.
Nada impede pois que, antes de efetuar-se esta união, Deus intervenha e suspenda um dos efeitos desta união, que é precisamente o pecado original.
A Bíblia está repleta destas derrogações.
O movimento do sol e da lua está matematicamente fixado pela lei da natureza; entretanto Josué não hesitou em fazê-lo parar: Sol detém-te em Gibeon, e tu, lua, no vale de Hadjalon. E o sol deteve-se e a lua parou (Js 10, 12-13).
- É uma lei que as águas seguem a correnteza do seu curso; entretanto Moisés estendeu a sua mão... e o mar tornou-se em seco, e as águas foram partidas... como muro à sua [direita] e sua esquerda (Ex 14, 21 e 22).
É uma lei que um morto fica morto até à ressurreição geral; entretanto o próprio Cristo-Deus, diante do cadáver de Lázaro já em putrefação, exclamou: Lazaro, sai... E imediatamente aquele que estava morto saiu vivo (Jo 11, 43 e 41).
Que prova isso, meu caro protestante? Isso prova que: Nada é impossível a Deus (Lc 18, 27).
Todos os homens pecaram em Adão e Eva, e nascem com o pecado original: É a lei geral.
Deus pode derrogar esta lei, como pode derrogar muitas outras, quando Ele o julgar necessário ou conveniente.
***
Ora, era absolutamente necessário que Ele derrogasse esta lei em favor do seu próprio Filho. O Deus de toda pureza não podia entrar em contato com o pecado. Estes dois termos se excluem mutuamente. Se Jesus se contaminasse com o pecado, não seria mais a pureza infinita... e não o sendo mais, deixaria de ser Deus, porque em Deus tudo é infinito.
Escute bem, caro protestante...
Ora, o Cristo, infinitamente puro, não o seria mais, se Ele tomasse um corpo formado por uma carne e um sangue maculados pelo pecado.
O filho recebe o seu corpo do corpo e do sangue de sua mãe – O filho é uma continuação dos seus pais.
O corpo de Jesus Cristo é um corpo formado pela carne e pelo sangue da Santíssima Virgem. Ele é o filho de Maria: Aquele que há de nascer de ti será chamado o filho de Deus, diz S. Lucas (1, 35).
Sendo o corpo de Jesus formado do sangue de Maria, e devendo este corpo ser de uma pureza infinita – pois é o corpo de Deus – é absolutamente exigido que a carne e o sangue de Maria sejam de uma pureza absoluta, isto é, sem pecado original.
***
Havia duas maneiras de alcançar esta pureza: a purificação ou a isenção do pecado original.
Qual destes dois modos há de ser o mais conveniente?
A discussão é inútil.
Se Maria Santíssima tivesse sido apenas purificada do pecado, ela teria sido escrava, pelo menos durante uns instantes, do demônio, e mais tarde o demônio teria podido lançar no rosto do Salvador este insulto: “a Tua mãe! Ela foi minha antes de ser tua! Eu a possui maculada!”.
Uma tal suposição é horrível!
Vá, Satanás, longe daqui!
Nunca... nunca... nem durante um instante... tu dominarás a mulher bendita entre todas as mulheres! O Senhor estará com ela desde o princípio, e onde está o Senhor, lá não pode estar Satanás.
Ela será cheia de graça... E se ela fosse dominada pelo mal, se ela o fosse apenas um instante, ela não estaria mais cheia de graça; faltaria qualquer coisa a esta plenitude... faltaria a graça inicial.
Eis porque a Mãe de Jesus não podia ser simplesmente purificada do pecado... devia ser preservada.
VII. Conclusão
É por não terem compreendido esta doutrina que os amigos protestantes fazem mil objeções contra este dogma, proclamando-o em contradição com a lei geral, impossível em sua realização.
Caros protestantes, estais enganados!
Estude melhor a doutrina Católica, e vereis como em tudo ela se harmoniza com a Bíblia, e acha nesta Bíblia o seu fundamento e sua proclamação.
Vejamos agora exatamente em que consiste o tal privilégio: será a conclusão deste capítulo.
O pecado original é essencialmente uma privação.
É a privação da graça primordial concedida à natureza humana na pessoa de Adão.
Uma comparação, embora imperfeita, nos fará compreender esta privação.
Na ordem intelectual e moral a diferença entre o homem decaído e o homem criado no estado de pura natureza é análoga à diferença que existe na ordem physica entre um civilizado despido dos vestidos que costuma trajar, e o selvagem que nunca usou roupagem.
A nossa alma é privada, na sua origem, da graça santificante que, nos decretos da Providência, ela devia ter na ocasião de sua criação.
Nos desígnios de Deus esta graça devia adornar todo homem entrando na vida e tornar a sua alma bela e agradável a Deus.
Assim não acontece mais.
Deus cria a alma pura e santa, à sua própria imagem, porém na ocasião de esta alma unir-se ao corpo, que acaba de ser formado pelos progenitores, a pessoa humana, que resulta desta união substancial, fica privada desta graça santificante que fazia em Adão a sua beleza e a sua glória.
Em vez dos tesouros magníficos que esta alma humana devia possuir, ela é pobre, nua, miserável, ao chegar à existência.
Esta nudez é para ela uma mancha, como é uma mancha para um edifício suntuoso a destruição do mármore, da prata, do ouro, de que era revestido, deixando aparecerem somente as pedras brutas e as muralhas.
Aplicando estas analogias à Virgem Santíssima, teremos a noção exata de sua Imaculada Conceição.
Dizendo que Maria é imaculada, a Igreja quer dizer que ela não conheceu esta privação, mas que a sua alma conservou íntegra a inocência, a justiça de que Deus adornara Adão e Eva, no momento da Criação.
Maria é a Eva restaurada na sua antiga formosura, é a criatura ideal, perfeita, tal qual saiu das Mãos do Criador, sem que o pecado projetasse sobre ela a sua sombra.
E a preservação desta privação foi feita por uma aplicação antecipada dos méritos do Salvador.
Libertada da misteriosa solidariedade pela qual todos nós nascemos pecadores e filhos da perdição, Maria saiu das mãos do Criador, tão perfeita e tão rica, tão pura e tão bela, que desde então estavam realizadas as palavras do Arcanjo no dia da Encarnação: Ave, gratia plena: Ave, ó Maria, cheia de graça!
Caros protestantes, refleti um instante sobre esta doutrina da Igreja!
Ela é divinamente bela e harmoniosa!
Ela é soberanamente digna de Deus!
Ela é gloriosamente honrosa para Maria!
Ela é humanamente suave para nós!
É uma doutrina racional, lógica, e se não houvesse na Sagrada Escritura prova nenhuma, texto algum que apoiasse a Conceição Imaculada de Maria, seria precioso ainda admiti-la, por ser a única doutrina que coaduna com a dignidade de Deus e de Maria Santíssima, como coaduna com o bom senso e a aspiração universal do mundo cristão.
Digo: se não houvesse provas na Bíblia; porém tais provas existem, claras e positivas, como quero mostra-lo no capítulo seguinte.
Continua...
[1] Extraído da obra A Mulher Bendita Diante dos Ataques Protestantes, do Pe. Júlio Maria de Lombaerde.
[2] Isso na época do Pe. Júlio Maria; hoje existem mais de 33.000.
[3] Tratado do amor de Deus.
[4] Bossuet: 2 Sermon pour la Conceptions – 1 point.
Gloriosa Maria Santíssima!
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