sexta-feira, 15 de abril de 2022

SOBRE A ADORAÇÃO DA SANTA CRUZ

 



Aproveitamos a ocasião da Sexta-feira da Paixão para publicar a já prometida questão da Suma Teológica que trata da adoração da Santa Cruz. Ei-la.

Observação: para os que não possuem trato com as questões disputadas, consulte a seguinte publicação para entender a sua estrutura [aqui].



QUESTÃO 25


ARTIGO 4


Se se deve adorar a cruz de Cristo com adoração de latria.

QUANTO AO QUARTO, ASSIM SE PROCEDE: parece que não se deve adorar a cruz de Cristo com adoração de latria.

1. Com efeito, nenhum bom filho venera o que foi a afronta do seu pai, por exemplo, o látego com que foi açoitado ou o madeiro no qual foi pendurado. Pelo contrário, detesta tudo isso. Ora, Cristo sofreu no madeiro da cruz a morte mais ignominiosa, segundo o livro da Sabedoria [2, 20]: "Condenamo-lo à morte mais vergonhosa". Não devemos, portanto, venerar a cruz, mas ter horror dela.

2. ALÉM DISSO, a humanidade de Cristo é adorada com adoração de latria por estar unida à pessoa do Filho de Deus; o que não se pode dizer da cruz. Portanto, a cruz de Cristo não deve ser adorada com adoração de latria.

3. ADEMAIS, a cruz de Cristo foi instrumento de sua paixão e morte, como o foram também os pregos, a coroa e a lança; a estas coisas, contudo, não tributamos o culto de latria. Portanto, parece que a cruz de Cristo não deve ser adorada com adoração de latria.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, prestamos adoração de latria àquilo no qual depositamos esperança de salvação. Ora, nós depositamos tal esperança na cruz de Cristo, pois a Igreja canta: "Salve, ó cruz, única esperança! Neste tempo da paixão, aumenta a justiça aos bons e aos réus concede o perdão". Logo, a cruz de Cristo deve ser adorada com adoração de latria.

RESPONDO. Como acima foi dito, a honra ou a veneração são devidas só à criatura racional; e só em razão da natureza racional pode ser honrada ou venerada uma criatura insensível. Isto pode acontecer de duas maneiras: ou porque representa a natureza racional, ou porque está unida a ela de alguma maneira. Da primeira forma costumam os homens venerar a imagem do rei; da segunda maneira se venera a sua roupa. Mas em ambos os casos os homens veneram esses objetos com a mesma veneração com que veneram o rei. Por conseguinte, se falamos da própria cruz na qual Cristo foi crucificado, deve ser venerada pelos mesmos dois motivos: primeiro, porque representa para nós a figura de Cristo estendido nela; e em segundo lugar, porque foi tocada pelos membros de Cristo e inundada com o seu sangue. Por ambos os motivos deve ser adorada com a mesma adoração de latria que tributamos a Cristo. Por isso também nos dirigimos à cruz e a invocamos, como ao próprio crucificado.

Mas se falamos da imagem da cruz de Cristo, feita de qualquer outra matéria, por exemplo, de pedra, madeira, prata ou ouro, a cruz é venerada só como imagem de Cristo, com uma adoração de latria, como foi exposto acima.

QUANTO AO 1°, portanto, deve-se dizer que segundo a opinião e a intenção dos pagãos, a cruz de Cristo é considerada como um opróbrio de Cristo; contudo, olhando o efeito da nossa salvação, o que se considera é o seu poder divino, pelo qual triunfou dos inimigos, segundo a Carta aos Colossenses [2, 14-15]. "Ele o cancelou, pregando-o na cruz; e despojando os principados e as potestades, os expôs confiadamente, triunfando abertamente sobre eles em si mesmo". Por isso diz ainda o Apóstolo na primeira Carta aos Coríntios [1, 18]: "A palavra da cruz é estultície para os que se perdem; mas é poder de Deus para os que se salvam, isto é, para nós".

QUANTO AO 2°, deve-se dizer que ainda que a cruz de Cristo não tenha estado unida pessoalmente ao Verbo de Deus, esteve unida a ele, de outra forma: por representação e por contato. E só por esta razão é reverenciada.

QUANTO AO 3°, deve-se dizer que quanto ao argumento do contato dos membros de Cristo, adoramos não só a cruz, mas tudo aquilo que é de Cristo. Por isso escreve Damasceno: "Deve ser adorado de maneira digna o precioso lenho, santificado pelo contato com o santo corpo e sangue; como também os pregos, as vestes, a lança; e os lugares sagrados em que habitou". Todas estas coisas, contudo, não representam a imagem de Cristo, como a cruz, chamada "sinal do Filho do Homem" que "aparecerá no céu", como diz o Evangelho de Mateus [24, 30]. Por isso o Anjo disse às mulheres [Mc 16, 6]: "Buscais a Jesus Nazareno, o crucificado"; e não disse: "atravessado com a lança", mas "crucificado". Por isso veneramos a imagem da cruz de Cristo, de qualquer matéria, mas não a imagem dos pregos ou de outros objetos com ele relacionados.

 

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