sábado, 16 de março de 2024

O substantivo

 

I- O que é e como se classifica

 

O substantivo é uma das classes gramaticais, juntamente com o adjetivo, o verbo, o advérbio, os conectivos e as interjeições. Carlos Nougué define substantivo (ou nome) como aquilo de que nos valemos para significar substâncias ou coisas entendidas, de algum modo, como substâncias.


Trata-se pois de definição precisa, mas que se afasta de certo modo das definições dadas pelas gramáticas correntes. Por isso, faz-se necessário oferecer ao leitor ao menos noções básicas sobre o que são substância e acidentes.

Antes disso, porém, e com finalidade antes didática, apresentamos abaixo a árvore de Porfírio adaptada e em forma de quadro:

 

Substância (gênero máximo)

Não vivente

Vivente

Elementos

Mistos

Vegetal

Animal

 

 

 

Bruto

Racional (espécie especialíssima)

 

A substância é o gênero generalíssimo (ou máximo), e é aquilo que subsiste por si e não por outro. A substância está como que sob tudo o que podemos conhecer sensivelmente. Naturalmente, Deus não está em um gênero (cf. Suma Teológica, I, q. 3, a. 5), motivo pelo qual Deus não é substância.

Pois bem, a substância é a primeira quididade que encontramos ao perguntar o que é esta ou aquela coisa[1]. Neste sentido, o homem é tão substância como a pedra ou como a árvore ou como o tigre. Com efeito, se levamos em conta a tabela acima, o homem é substância vivente animal racional, a pedra é substância não vivente “petrina”, a árvore é substância vivente vegetal “arbórea”, e o tigre é substância vivente animal bruto “tigrino”.

Toda definição se dá pelo gênero próximo e pela diferença específica: homem: animal [gênero próximo] + racional [diferença específica]. Mas a substância, por ser o gênero supremo, carece obviamente de gênero próximo, razão por que para dar sua definição ou explicação deve-se recorrer à noção análoga de ente, e então se terá a substância como aquilo que é por si e não por outro.

O correlato da substância é o acidente, que é definido como aquilo que não é por si e só é em outro, ou seja, na substância, que é seu suporte. O acidente nunca entra na definição de uma coisa. Para definir homem, dizemos: substância vivente animal racional. Pouco importa se o homem é alto, baixo, magro, gordo, branco, amarelo, negro; ridente, sociável; etc., pois essas coisas não entram na definição. Como diz o Pe. Calderón[2], “(...) Define-se o que a coisa é por si e em si, a substância, e não o que a acompanha [o acidente]”.  

No entanto, é possível considerarmos em si mesmo os acidentes, abstraídos das substâncias, ou seja, como se fossem eles mesmos substâncias. Fazendo-o, podemos perguntar-nos o que é o mesmo acidente em geral, e responderemos com a como definição de acidente: aquilo que é em outro como em seu sujeito.

Para facilitar a compreensão da substância e do acidente, tomemos o seguinte exemplo: ao considerarmos uma parede, notamos de imediato que a própria parede existe/subsiste, digamos, por si, e é uma substância. A cor branca da parede, por outro lado, é um acidente, pois não é em si, mas em outro: na parede. A parede, com efeito, é o suporte da cor branca. Agora note, porém, que podemos considerar já não a cor branca na parede, mas sim a brancura em geral, como que abstraída de seu suporte. Ao fazê-lo, estamos tomando o acidente como se fosse ele mesmo, de algum modo, substância. 

Pois bem, agora que compreendemos melhor a substância, temos condições de entender a definição de substantivo: aquilo que utilizamos para significar substâncias ou coisas entendidas, de algum modo, como substâncias.

Com efeito, quando dizemos, por exemplo, cão, tigre, pedra, rio, alma, anjo, homem, etc. significamos verdadeiras substâncias, ou seja, entes que existem e que subsistem em si (ou que ao menos assim são pensados); “e, quando dizemos negrura, alegria, saudade, suavidade, decisão, etc., significamos acidentes, ou seja, entes que não existem em si mas somente nas substâncias - os quais, porém, são aqui pensados separadamente, como se se tratasse de efetivas substâncias[3]”.

Portanto, os substantivos com que significamos substâncias são chamados de concretos: homem, anjo, animal, tigre, cavalo, limoeiro, carro, Bahia, Maria, sacerdote, igreja, máquina, pai, José, Brasil, alma, ciclope, etc. Por outro lado, os substantivos com os quais significamos acidentes entendidos ao modo de substâncias são abstratos: bondade, caridade, limpeza, justiça, sabedoria, colheita, juventude, perdão, verdade, alegria, doença, pessimismo, brandura, ira, prudência, amor, carinho, afeto, ida, luta, resolução, etc.

O substantivo abstrato se subdivide segundo o que significa: qualidade, ação, sentimento, etc.

Observação. Alguns dizem que substantivos concretos são aqueles que podem ser tocados, enquanto que substantivos abstratos são os imateriais. Isto não está correto, pois, como vimos, são concretos os anjos, as almas, e até os entes mitológicos, os entes fabulosos, etc., conquanto não possam ser tocados.

Pois bem, os substantivos concretos podem ser comuns ou próprios. São comuns os que nomeiam as substâncias segundo a essência ou, de algum modo, segundo algum acidente: vegetal, tigre, macieira, oceano, espírito, etc.; ferimento, bondade, filho, brancura, etc.

São próprios os substantivos concretos que só se podem dizer de uma e determinada coisa, seja continente, nação, cidade, etc., ou instituição ou similar; ou pessoa: África, Brasil, Rio de Janeiro; (a) Igreja, (a) Ordem dos Advogados do Brasil; Maria, etc.

Por pertencer a uma classe variável, o substantivo pode flexionar-se em gênero, em número e em grau. Mas isto é assunto para outro opúsculo.

 

Observação final. Com fim antes didático, sobretudo para os iniciantes, diga-se que é fácil identificar um substantivo valendo-se de algo simples, e que se encontra na definição de Carlos Nougué com que iniciamos este opúsculo: o substantivo é um NOME. - Ou seja, caro iniciante, olhas ao teu redor e tentas nomear as coisas que vês. Pois bem, esses nomes que dás às coisas são substantivos: mesa, livro, computador, cadeira, escritório, celular, tela, letra, texto, lápis, caneta, borracha, quadro, etc.

 _________

Willian Mitre

_________

[1] Carlos Nougué, Da Arte do Belo, 1.ª ed., p. 263. 

[2] Pe. Álvaro Calderón, La naturaleza y sus causas, t. 1, p. 175 apud Carlos Nougué, op. cit., p. 264. 

[3] Carlos Nougué, A Arte de Escrever Bem na Língua Portuguesa, p. 64.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Print Friendly and PDF