terça-feira, 6 de dezembro de 2022

FÉ E BOAS OBRAS



Pe. Júlio Maria de Lombaerde, no livro Objeções e erros protestantes.

A INUTILIDADE DAS BOAS OBRAS

Os Amigos Protestantes, na triste mania de tudo interpretar a seu gosto, sem consultar e sem estudar, e até sem compreender as expressões, acharam que São Paulo é um ótimo Protestante, pois protesta contra as boas obras, - que a Igreja Católica exige - e parece dizer que o homem se salva unicamente pela fé, e não pelas obras.

O texto que lhes serve de argumento decisivo é o seguinte: Concluímos que o homem é justificado pela fé, sem as obras da lei (Rm 3, 28).

Pois bem, vou mostrar-lhes que estão enganados redondamente, e São Paulo nunca disse o que lhe pretendem fazer dizer; isto é, que o texto citado, e muitos outros que tratam do mesmo assunto, não significam de nenhum modo o que os protestantes lhes atribuem.

Examinemos bem o texto e o contexto de tal passo.


I. O estado das almas

O Apostolo escreve aos Romanos, que eram pagãos, e o intuito da sua epístola é esclarecer e confirmar os Romanos na doutrina que eles receberam; por isso demonstra e explica primeiro a absoluta necessidade da fé evangélica e a sua múltipla necessidade, para se conseguir a salvação.

Para bem compreender esta epístola que os protestantes exploram em sentido favorável a suas ideias errôneas, é preciso conhecer o estado de alma dos Romanos, e os erros que resultavam dos princípios básicos das suas crenças supersticiosas.

O povo romano era um povo supersticioso e materialista; para ele, como para os próprios judeus, a religião consistia exclusivamente na prática de certas observâncias exteriores, na letra dos preceitos e não no espírito que deve animar a letra, no dizer do próprio S. Paulo: a letra mata, mas o espírito vivifica (2 Cor 3, 6). Deus nos fez ministros não da letra, mas do espírito, diz ele ainda (2 Cor 3, 6). Estamos livres da lei da morte, na qual estávamos presos, afim de servirmos em novidade de espírito, e não na velhice da letra (Rm 7, 6).

É conhecida a farisaica fidelidade dos Judeus à letra das prescrições da lei, a ponto de serem escravos da letra da lei, desprezando o espírito da mesma lei, como Nosso Senhor lhes repete a cada instante: Ai de vós, hipócritas, que abandonais a justiça, a misericórdia e a fé... que limpais o que está por fora do copo, e por dentro estais cheios de rapina e de imundície (Mat 23, 23-25).

Eis claramente indicada e ferreteada a sociedade, tanto romana como judaica, do tempo de Jesus Cristo e dos Apóstolos. A fé interior tinha como desaparecido [e] só subsistia a fidelidade exterior à lei, que o Apóstolo chama as obras da lei (Rm 3, 28).


II. São Tiago e São Paulo

Conhecendo bem a situação das almas desta época, torna-se fácil compreender veemente epístola de São Paulo contra este desvio dos espíritos e dos sentimentos religiosos.

Ele ataca as obras da lei e mostra que a fé deve dominar na alma, e que as obras devem ser o resultado, como [que] a produção da fé que anima o espírito.

Nada de mais natural, como nada de mais lógico que este procedimento. [Com o] espírito fixado sobre este ponto, que serve como de fio condutor e de farol, pode-se percorrer toda a epístola do Apóstolo aos Romanos... tudo fica claro, luminoso, e em perfeito acordo com os ensinos dos Apóstolos, sobretudo com o ensino tão positivo de S. Tiago sobre a necessidade das boas obras.

Os amigos protestantes trocam mui inocentemente as palavras obras da lei, pelas de boas obras. Ora, são duas coisas absolutamente distintas, como se pode ver na mesma Epístola.

As boas obras são o produto da fé; não podem existir sem a fé... e a fé não pode existir sem as boas obras. É a semente e a planta, é a flor e o fruto, é a nuvem e a chuva, é o sol e o calor.. é a alma e o согро.

Dirá alguém - diz São Tiago -, Tu tens a fé e eu tenho as obras, mostra-me a tua fé sem as obras, e eu mostrar-te-ei, pelas obras, a minha fé (Tg 2, 18).

Vedes, pois, - continua o Apostolo -, que o homem é justificado pelas obras e não pela fé somente (Tg 2, 24).

Eis o que é claro: O homem é justificado pelas obras que nascem da fé. 

Agora aproximemos deste texto a passagem, já citada, de São Paulo:

Concluímos que o homem é justificado pela fé, sem as obras da lei (Rm 3, 28). Haverá contradição entre estes dois passos?

Para o ignorante pode haver... para os protestantes há; e como a Igreja Católica sustenta e defende o primeiro texto, eles julgam derrubar este ensino pelo segundo.

Ignorância... só ignorância!

À luz das explicações supra, compreende-se imediatamente a diferença de sentido e de expressão.

São Tiago diz que o homem é justificado pelas obras e pela fé (Tg 2, 24).

Não pela fé somente, diz S. Tiago; o que prova que a fé é necessária, e que a fé deve produzir as obras.

São Paulo diz que é justificado pela fé, isto é: pela fé completa, composta da fé e de obras - e não pelas obras da lei (Rm 3, 28).

Que são estas obras da lei?

Não são as boas obras, mas as obras exteriores, prescritas pela lei de Moisés. Ambos os Apóstolos afirmam a mesma verdade: A fé é necessária.

As obras devem ser o produto desta fé, e não práticas hipócritas, tradições exteriores, que se limitam à parte material: isso é o que ele chama obras da lei (Rm 3, 28).

O antigo Testamento tinha muitas destas práticas exteriores: vítimas, oblações, cerimonias.

A vinda de Jesus Cristo veio trazer-nos o espírito que vivifica: a fé que serve de fundamento a todas as práticas exteriores.

Por isso, as obras da lei não servem mais. Diz o Apóstolo: é a letra que mata (2 Cor 3, 6); e agora estamos livres desta lei de morte, na qual estávamos presos (Rm 7, 6). Caiu a velhice da letra (as obras da lei) e adquirimos a novidade do espírito (ibid).

Como tudo isso é claro, é luminoso, é belo!

A lei antiga era lei de temor. A lei nova é a lei do amor.

Ora, diz São João: o amor expele o temor: Charitas foras mittit timorem (1 Jo 4, 18).

É o que ensinam, o que pregam e exaltam os Apóstolos e em particular São Paulo na citada Epístola, e São Tiago no seu magistral ensino sobre as boas obras.

A fé produz o amor; o amor produz as obras, de modo que a fé é a raiz, e o amor é o calor que faz desabrochar as boas obras, que são os frutos.

Na lei antiga, eram apenas praticas exteriores, mortas, onde o espírito e o coração eram isentos, o que o divino Mestre exprimiu admiravelmente, dizendo: Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim (Mc 7, 6; Mt 6, 21).

Eis o perfeito acordo entre S. Paulo e S. Tiago... ensinando uma doutrina única, que a Igreja Católica segue e que protestantes combatem, por não saberem ler nem compreender o sublime ensino do grande Apóstolo.


III. A epístola de São Paulo

Agora podemos citar as passagens da tal Epístola, que os protestantes julgam provar os seus erros, e ficará o seu sentido óbvio, claro, e cada palavra confirmará a tese aqui exposta, como reprovará o erro protestante (Rm 3): 

20- Pelas obras da lei não será justificado nenhum homem diante dele, pois o que vem pela lei é o conhecimento do pecado.

21- Mas agora, sem a lei, se tem manifestado a justiça de Deus, testificada pela lei e pelos profetas.

22- E essa justiça de Deus é pela fé em Jesus Cristo, para todos e sobre todos os que creem nele; pois não há distinção alguma.

23- Porque todos pecaram e necessitam da glória de Deus. 

24- Sendo justificados gratuitamente por sua graça, pela redenção que é em Jesus Cristo.

25- A quem Deus propôs como vítima de propiciação em seu sangue, mediante a fé, afim de manifestar a sua justiça pela remissão dos delitos passados.

26- Que Deus suportou com paciência para demonstração da sua justiça neste tempo, afim de que ele se patenteie justo, e justificador daquele que tem a fé em Jesus Cristo.

27 Onde está, portanto, o motivo de gloriares? Excluído fica. Por que lei? Das obras ? Não, mas pela lei da fé.

28- Porquanto julgamos que o homem é justificado pela fé sem as obras da lei. 

29- Porventura Deus o é só dos Judeus, não o é também dos gentios? Por certo, o é também dos gentios.

30- Porque na verdade não há senão um só Deus, que pela fé justifica os circuncidados, e pela fé os incircuncisos: 

31- Destruímos, pois, a lei pela fé? De nenhum modo; antes estabelecemos a lei.


IV. Conclusão

A conclusão deriva diretamente da explicação já dada. Os versículos 20 e 24 são como o resumo da tese de São Paulo, que se pode resumir como segue: A justificação não é um simples efeito da observação da lei, ou a consequência das obras...

É preciso ter a fé em Jesus Cristo e é esta fé que dá valor a nossas boas obras.

No capitulo 4, São Paulo cita o exemplo de Abraão, mostrando que foi justificado pela fé, e não só pelas obras, e ele tira esta conclusão tão lógica quão católica (Rm 4, 2).

Os atos ou disposições que precedem à justificação, quer a fé quer as obras, não merecem, por si, a graça da justificação; ela é um dom gratuito da liberalidade divina. Nós somos justificados gratuitamente, sem merecimento da nossa parte, mas não sem a nossa cooperação.

O grande erro protestante consiste em negar esta cooperação, e em dizer que o homem, mau ou bom grado seu, está justificado, pelos merecimentos de Cristo, sem que ele coopere, fazendo boas obras. 

São Paulo é positivo a este respeito.

Sendo a justificação um dom gratuito, o homem não pode gloriar-se (Rm 3, 27). A lei não justifica... as obras não justificam. É natural; o que santifica, diz o Apostolo, é a lei da fé (27).

E qual é esta lei da fé? É S. Paulo que ainda no-lo explica: Mando... que se façam ricos em boas obras (1 Tm 6, 18).

Em boas obras, porque, completa S. Tiago, o homem é justificado pelas obras e pela fé (Tg 2, 24) ou pelas obras que nascem da fé, porque a fé sem as obras, fica morta (Tg 2, 17), e só uma fé viva pode dar a vida.

É pois bem claro que o homem é salvo pelas boas obras nascidas da fé, e não pelas obras da lei, ou simples execução material do que é mandado pela lei. As boas obras são feitas para agradar a Deus, por amor. 

As obras da lei são simples observações da lei, por constrangimento, e não por amor.

E Deus sendo amor, quer ser servido por amor.

É esta fidelidade farisaica ou hipócrita que o Salvador censurava tanto nos costumes dos Judeus, como narra S. Mateus: Fazem todas as suas obras para serem vistos dos homens (Mt 23, 15) de modo a poderem ser comparados a sepulcros caiados que parecem belos por fora, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e de podridão (v. 27.) 

Eis o produto das obras da lei, ou obras mandadas pela lei, e executadas sem fé e sem amor.

Tais obras não produzem a salvação. São estas obras que S. Paulo declara inúteis para a salvação.

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