Willian Mitre
Algumas seitas protestantes, sob o pretexto de cumprir a palavra de Deus, impõem aos seus prosélitos a observância das leis judaicas, especialmente o não comer determinados alimentos. Não se contentando com isso, querem impor também aos católicos essas horrendas observâncias.
Imputando-lhes (aos alimentos) o epíteto de impuros, proíbem a sua deglutição, contra a Lei de Nosso Senhor Jesus Cristo. Apegam-se à Lei de Moisés e esquecem-se da Lei de Cristo. Observam as práticas judaicas e negam a Igreja de Cristo. Ora, como ousam chamarem-se cristãos? O cristão deve observar a Lei de Cristo.
I- Lei de Cristo a respeito dos alimentos
Certa vez os fariseus e alguns escribas questionaram Nosso Senhor Jesus Cristo sobre o porquê de seus discípulos comerem pão com as mãos impuras, não seguindo as tradições antigas (Mc 7, 1-5). Isto foi ocasião para Nosso Senhor ensinar não só aos consulentes, mas aos que O seguiam a lei sobre os alimentos.
Analisemos pois o diálogo (Mc 7, 5-6. 14-15):
Os fariseus e os escribas perguntaram-lhe: "Por que não andam os teus discípulos conforme a tradição dos antigos, mas comem o pão com as mãos impuras?". Jesus disse-lhes: "Isaías com muita razão profetizou de vós, hipócritas, quando escreveu: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Em vão, pois, me cultuam, porque ensinam doutrinas e preceitos humanos (Is 29, 13). [...] Tendo chamado de novo a turba, dizia-lhes: "Ouvi-me todos, e entendei. Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa manchar; mas o que sai do homem, isso é que mancha o homem. [A bom entendedor meia palavra basta.]".
Infelizmente os protestantes não são bons entendedores, se o fossem não seriam protestantes. Nosso Senhor diz que não há alimento que manche o homem, eles dizem que há alimentos impuros, portanto, a sua ingestão manchará o homem, razão por que os proíbem. Ora, caro leitor, em quem acreditarás? Em Cristo ou nos protestantes?
E continua o Evangelho (Mc 7, 18-23):
Respondeu-lhes “Sois também vós assim ignorantes? Não compreendeis que tudo o que de fora entra no homem não o pode tornar impuro, porque não lhe entra no coração, mas vai ao ventre e dali segue sua Lei natural?". Assim ele declarava puros todos os alimentos. E acrescentava: "Ora, o que sai do homem, isso é que mancha o homem. Porque é do interior do coração dos homens que procedem os maus pensamentos: devassidões, roubos, assassinatos, adultérios, cobiças, perversidades, fraudes, desonestidade, inveja, difamação, orgulho e insensatez. Todos estes vícios procedem de dentro e tornam impuro o homem".
Caros amigos protestantes, o que de fora entra no homem não o mancha, pois o alimento é criação de Deus e segue o seu curso normal, conforme a natureza. O que mancha o homem é o que sai de dentro, de seu interior. A boca fala do que lhe transborda o coração (Mt 12, 34).
A Lei de Cristo, portanto, é esta: Assim ele declarava puros todos os alimentos.
Fazer distinção entre alimentos puros e impuros é ir contra a palavra de Cristo, é ir contra o novo preceito de Deus, em outras palavras, é deixar de ser cristão, é tornar-se herege.
II- Compreensão dos Apóstolos
Deus de diversos modos fez compreender aos Apóstolos a liberdade de que gozavam em Cristo. A S. Pedro, por exemplo, aconteceu algo esplendoroso (At 10, 9-16):
No dia seguinte, enquanto estavam em viagem e se aproximavam da cidade - pelo meio-dia -, Pedro subiu ao terraço da casa para fazer oração. Então, como sentisse fome, quis comer. Mas, enquanto lho preparavam, caiu em êxtase. Viu o céu aberto e descer uma coisa parecida com uma grande toalha que baixava do céu à terra, segura pelas quatro pontas. Nela havia de todos os quadrúpedes, dos répteis da terra e das aves do céu. Uma voz lhe falou: "Levanta-te, Pedro! Mata e come". Disse Pedro: "De modo algum, Senhor, porque nunca comi coisa alguma profana e impura". Esta voz lhe falou pela segunda vez: "O que Deus purificou não chames tu de impuro". Isto se repetiu três vezes e logo a toalha foi recolhida ao céu.
O contexto imediato desta passagem nos indica que a visão de S. Pedro se referia precipuamente à conversão dos pagãos, como o próprio S. Pedro compreenderá mais à frente: Todavia, Deus me mostrou que nenhum homem deve ser considerado profano ou impuro (At 10, 28).
Porém, é muito significativo que a visão se tenha dado em forma de carnes. Veja que S. Pedro diz: “De modo algum, Senhor, porque nunca comi coisa alguma profana e impura”. A resposta imediata é: “O que Deus purificou não chames tu de impuro”. E quando foi que Deus purificou tais alimentos? Ora, vimos há pouco: Assim ele declarava puros todos os alimentos (Mc 7, 19).
Veja isso, caro protestante, pois a palavra de Deus se dirige a ti: não ouse chamar impuro o que Deus purificou!
São Paulo mais rapidamente compreendeu isso, de tal modo que, após o Concílio de Jerusalém, do qual nos ocuparemos adiante, repreendeu ao mesmo S. Pedro pela sua atitude judaizante. S. Paulo descreve tal fato do seguinte modo (Gl 2, 11-14):
Quando, porém, Cefas veio a Antioquia, resisti-lhe francamente, porque era censurável. Pois, antes de chegarem alguns homens da parte de Tiago, ele comia com os pagãos convertidos. Mas, quando aqueles vieram, retraiu-se e separou-se destes, temendo Os circuncidados. Os demais judeus convertidos seguiram-lhe a atitude equívoca, de maneira que mesmo Barnabé foi levado por eles a essa dissimulação. Quando vi que o seu procedimento não era segundo a verdade do Evangelho, disse a Cefas, em presença de todos: "Se tu, que és judeu, vives como os gentios, e não como os judeus, com que direito obrigas os pagãos convertidos a viver como os judeus?".
S. Pedro, embora não vivesse mais como judeu e sim como gentio, isto é, embora não fazendo distinção entre alimentos puros e impuros e entre judeus e gentios, quando notou a presença dos judaizantes, dissimulou, de tal modo que seu mau exemplo influenciou os demais presentes.
S. Paulo, que travava grande luta contra os judaizantes, o reprendeu em público, pois o seu procedimento não era conforme a verdade do Evangelho. Mas qual era a verdade do Evangelho? A mesma que S. Paulo ensinava. E o que S. Paulo ensinava?
Ora, S. Paulo ensinava a liberdade de que gozamos em Cristo Jesus, contra os falsos irmãos (judaizantes e, mais proximamente, protestantes), que querem nos escravizar (Gl 2, 4). Tais falsos cristãos não agem conforme a verdade do Evangelho.
Sobre os alimentos, São Paulo, seguindo o ensinamento de Nosso Senhor Jesus Cristo, dizia que Os alimentos são para o estômago e o estômago para os alimentos (I Cor 6, 13). Ou seja, o alimento que de fora entra no homem não o mancha, não o torna impuro, mas vai ao ventre, ao estômago, e dali segue sua lei natural (cf. Mc 7, 19).
O que nos torna agradáveis a Deus não é a comida, mas a intenção reta de coração: Não é, entretanto, a comida que nos torna agradáveis a Deus: comendo, não ganhamos nada; e não comendo, nada perdemos (1 Cor 8, 8). O que mancha o homem é o que sai de dentro, pois é do interior do coração dos homens que procedem os maus pensamentos: devassidões, roubos, assassinatos, adultérios, cobiças, perversidades, fraudes, desonestidade, inveja, difamação, orgulho e insensatez. Todos estes vícios procedem de dentro e tornam impuro o homem (Mc 7, 20-23).
E contra todos os protestos, fulmina S. Paulo: estou convencido no Senhor Jesus de que nenhuma coisa é impura em si mesma. Todas as coisas, em verdade, são puras. Com efeito, O Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e gozo no Espírito Santo (Cf. Rm 14, 14-21).
Agora façamos um paralelo entre esta passagem e o Evangelho:
Epístola aos Romanos
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Evangelho de São
Marcos
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Rm 14, 14: estou convencido no Senhor Jesus de que
nenhuma coisa é impura em si mesma. (v. 20): Todas as coisas, em verdade, são puras.
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Mc 7, 19: Assim ele declarava puros todos os
alimentos.
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Rm 14, 17: O Reino de Deus não é comida nem bebida,
mas justiça, paz e gozo no Espírito Santo.
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Mc 7, 18-23: Não compreendeis que tudo o que de fora
entra no homem não o pode tornar impuro, porque não lhe entra no coração, mas
vai ao ventre e dali segue sua Lei natural? [...] é do interior do coração dos homens que procedem os maus pensamentos:
devassidões, roubos, assassinatos, adultérios, cobiças, perversidades,
fraudes, desonestidade, inveja, difamação, orgulho e insensatez. Todos estes
vícios procedem de dentro e tornam impuro o homem
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Queridos amigos protestantes, não estamos mais sujeitos às prescrições dos judeus, estamos sob a Lei de Cristo (1 Cor 9, 21). As antigas prescrições eram sombras, a realidade é Cristo. São Paulo nos defende destas suas más doutrinas (Col 2, 16):
Ninguém, pois, vos critique por causa de comida ou bebida, ou espécies de festas e luas novas ou de sábados. Tudo isso não é mais que sombra do que devia vir. A realidade é Cristo.
III- A Igreja e o Concílio de Jerusalém
Estar sob a Lei de Cristo significa estar sob o domínio e autoridade da Igreja deixada por Cristo para reger e governar as nações (Mt 16, 18). Aqueles que ouvem esta Igreja ouvem o próprio Cristo: Quem vos ouve a mim ouve; e quem vos rejeita a mim rejeita (Lc 10, 16). E isto porque esta Igreja é coluna e sustentáculo da verdade (1 Tm 3, 15).
Para ouvir a Igreja é necessário ser dócil ao seu magistério, exercido desde os Apóstolos e perpetuado no tempo através de seus sucessores. Isto quer dizer que, em havendo discórdias entre os fiéis a respeito de qualquer assunto, quem a resolverá será a Igreja, pelo seu magistério. Essa é a razão dos concílios, por exemplo; e tudo isto é confirmado pela Sagrada Escritura.
Exemplo disso se deu com o caso que estamos analisando. Havendo judaizantes que furtivamente se introduziram entre nós para espionar a liberdade de que gozávamos em Cristo, a fim de nos escravizar (Gl 2, 4); os mesmos de quem S. Paulo disse que a inteligência deles permaneceu obscurecida. Ainda agora, quando leem o Antigo Testamento, esse mesmo véu permanece abaixado (2 Cor 3, 14); esses mesmos judaizantes queriam obrigar os gentios convertidos a observar a lei judaica, semelhantemente ao que fazem alguns protestantes hoje.
Diante da resistência firme que S. Paulo lhes fez, a Igreja se reuniu em Concílio para resolver a questão (At 15, 1-2):
Alguns homens, descendo da Judeia, puseram-se a ensinar aos irmãos o seguinte: "Se não vos circuncidais, segundo o rito de Moisés, não podeis ser salvos". Originou-se então grande discussão de Paulo e Barnabé com eles, e resolveu-se que estes dois, com alguns outros irmãos, fossem tratar desta questão com os apóstolos e os anciãos em Jerusalém.
Pois bem, reunidos em Concílio, S. Pedro, chefe da Igreja, se pôs a dizer (At 15, 7-11):
Ao fim de uma grande discussão, Pedro levantou-se e lhes disse: "Irmãos, vós sabeis que já há muito tempo Deus me escolheu dentre vós, para que da minha boca os pagãos ouvissem a palavra do Evangelho e cressem. Ora, Deus, que conhece os corações, testemunhou a seu respeito, dando-lhes o Espírito Santo, da mesma forma que a nós. Nem fez distinção alguma entre nós e eles, purificando pela fé os seus corações. Por que, pois, provocais agora a Deus, impondo aos discípulos um jugo que nem nossos pais nem nós pudemos suportar? Nós cremos que pela graça do Senhor Jesus seremos salvos, exatamente como eles".
S. Tiago, numa atitude de prudência, para evitar escândalo (cf. 1 Cor 8), acrescentou o seguinte (At 15, 19-20):
Por isso, julgo que não se devem inquietar os que dentre os gentios se convertem a Deus. Mas que se lhes escreva somente que se abstenham das carnes oferecidas aos ídolos, da impureza, das carnes sufocadas e do sangue.
Essas são as chamadas cláusulas de S. Tiago. Mas mesmo essas cláusulas não eram de observância geral, mas limitadas a uma parte apenas da Igreja. Prova-o a Carta enviada pelo Concílio (At 15, 23-29):
Por seu intermédio enviaram a seguinte carta: "Os apóstolos e os anciãos aos irmãos de origem pagã, em Antioquia, na Síria e Cilícia, saúde! Temos ouvido que alguns dentre nós vos têm perturbado com palavras, transtornando os vossos espíritos, sem lhes termos dado semelhante incumbência. Assim nós nos reunimos e decidimos escolher delegados e enviá-los a vós, com os nossos amados Barnabé e Paulo, homens que têm exposto suas vidas pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Enviamos, portanto, Judas e Silas que de viva voz vos exporão as mesmas coisas. Com efeito, pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor outro peso além do seguinte indispensável: que vos abstenhais das carnes sacrificadas aos ídolos, do sangue, da carne sufocada e da impureza. Dessas coisas fareis bem de vos guardar conscienciosamente. Adeus!”.
O Concílio claramente se dirigiu às regiões da Síria e da Cicília, que eram perturbadas pelos judaizantes, não às outras regiões. Como sabemos disso? Basta notar que a carta enviada não faz referência a todo o orbe cristão, nem obriga a todos, mas tem como destinatários os irmãos de origem pagã, em Antioquia, na Síria e Cilícia.
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Síria (e Antioquia) e Cilícia ao centro da imagem. |
A Igreja, como se sabe, não se limitava a essas regiões. No próprio Pentecostes, os cerca de três mil convertidos pelo discurso de S. Pedro (At 2, 41) eram de várias regiões (At 2, 9-11):
Portanto, conclui-se: i) que as cláusulas de S. Tiago se restringiam à região da Síria e da Cilícia; ii) que as cláusulas, em sua maioria, eram temporárias, isto por dois motivos: a) pois à medida que as nações se convertiam à Igreja, quase todas as cláusulas perdiam a razão de ser, uma vez que a judaização diminuía; b) a Igreja posteriormente criaria leis específicas para cada caso, valendo-se de sua autoridade concedida por Cristo (Mt 16, 19; 1 Tm 3, 15).
O próprio São Paulo, anos após o Concílio, se referia a suas decisões da seguinte forma (Gl 2, 6-10):
estas autoridades [os Apóstolos], digo, nada me impuseram. Ao contrário, viram que a evangelização dos incircuncisos me era confiada, como a dos circuncisos a Pedro (porque aquele cuja ação fez de Pedro o apóstolo dos circuncisos fez também de mim o dos pagãos). Tiago, Cefas e João, que são considerados as colunas, reconhecendo a graça que me foi dada, deram as mãos a mim e a Barnabé em sinal de pleno acordo: iríamos aos pagãos, e eles aos circuncidados. Recomendaram-nos apenas que nos lembrássemos dos pobres, o que era precisamente a minha intenção.
IV- Conclusão
Os cristãos gozam de liberdade em Cristo (Gl 2, 4) e é absurdo querer retornar às observâncias da lei judaica, quando Cristo e os Apóstolos condenam tal atitude.
A realidade, queridos protestantes, é Cristo (Cl 2, 16) e Ele próprio declarou puros todos os alimentos: Assim ele declarava puros todos os alimentos (Mc 7, 19). Quem sois vós para contrariar o próprio Cristo?
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