quarta-feira, 13 de julho de 2022

O JARDIM DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO

 

Santa Teresinha, imagem real.


Antes de pegar a caneta, ajoelhei-me diante da imagem de Maria (aquela mesma que tantas provas nos deu das maternas predileções da Rainha do céu por nossa família), e lhe pedi que guiasse minha mão para que eu não escrevesse uma linha sequer que não a agradasse. Em seguida, abrindo o Evangelho, meus olhos pousaram sobre estas palavras: «Jesus, tendo subido a uma montanha, chamou a si quem Ele quis; e vieram a Ele" (são Marcos, cap. III, v. 13). Eis o mistério de minha vocação, de minha vida inteira, e, sobretudo, o mistério dos privilégios dispensados por Jesus à minha alma... Não chama os que são dignos, mas quem Ele quer, ou, como diz São Paulo: "Farei misericórdia a quem eu fizer misericórdia; terei compaixão de quem eu tiver compaixão. Desta forma, a escolha não depende daquele que quer, nem daquele que corre, mas da misericórdia de Deus" (Carta aos Romanos, cap. IX, v. 15 e 16).

Durante muito tempo eu me perguntava por que Deus tinha preferências, por [que] todas as almas não recebiam a mesma medida de graças. Estranhava ao vê-lo prodigalizar favores extraordinários aos santos que o haviam ofendido, como são Paulo ou santo Agostinho, a quem forçava, por assim dizer, a receber suas graças; e quando lia a vida daqueles santos a quem o Senhor acariciou desde o berço até a sepultura, retirando de seu caminho todos os obstáculos que os impedisse de se elevar até Ele e provendo essas almas com tais benefícios para que nada lhes ofuscasse o brilho imaculado de suas vestes batismais, eu me perguntava por que tantos pobres selvagens, por exemplo, morriam antes mesmo de ouvir ou sequer pronunciar o nome de Deus...

Jesus quis instruir-me a respeito deste mistério. Pôs diante dos meus olhos o livro da natureza e compreendi que todas as flores por ele criadas são belas, e que o esplendor da rosa e a brancura do lírio não tiram o perfume da humilde violeta nem a simplicidade encantadora da margarida... Compreendi que se todas as flores quisessem ser rosas, a natureza perderia sua pompa primaveril e os campos já não seriam salpicados de florzinhas...

O mesmo ocorre no mundo das almas, o jardim de Jesus. Ele quis criar grandes santos, que podem ser comparados aos lírios e às rosas; mas criou também outros menores, e estes devem se conformar em ser margaridas ou violetas destinadas a alegrar os olhos de Deus quando contempla seus pés. A perfeição consiste em fazer sua vontade, em ser aquilo que Ele quer que sejamos...

Compreendi também que o amor de Nosso Senhor se manifesta tanto na alma mais simples, que não coloca nenhuma resistência a sua graça, quanto na alma mais sublime. É próprio do amor abaixar-se. Se todas as almas se parecessem às dos santos doutores que iluminaram a Igreja com a luz de sua doutrina, parece que Deus não teria que se abaixar bastante para vir a seus corações. Mas criou a criança, que nada sabe e só balbucia fracos gemidos, criou o pobre selvagem, que só tem a lei natural para guiá-lo. E também a seus corações ele se abaixa! São suas flores campestres, cuja simplicidade o encanta...

Assim se abaixando, Deus mostra sua grandeza infinita. Assim como o sol ilumina os cedros e cada florzinha, como se somente ela existisse sobre a terra, da mesma forma Deus cuida pessoalmente de cada alma, como se não existisse outra além dela. E assim como na natureza todas as estações estão de tal modo organizadas que no momento certo se abre até a mais humilde margarida, da mesma forma tudo concorre para o bem de cada alma.

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Trecho do livro História de Uma Alma, de Santa Teresinha.

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